A Canonização

A Canonização

Em março deste ano, o Papa Francisco anunciou que a canonização de 30 novos santos brasileiros foi aprovada. Em decreto publicado nesta quinta-feira (23/03/17), a Santa Sé incluiu os mártires de Cunhaú e Uruaçu, no Rio Grande do Norte, na lista de beatos a serem santificados. Com a decisão, os padres André de Soveral e Ambrósio Francisco Ferro, junto a Mateus Moreira e outros 27 leigos, entraram no rol de adoração da Igreja Católica.

O processo de canonização estava na Congregação para a Causa dos Santos, no Vaticano, desde o segundo semestre de 2015, por indicação do próprio Papa Francisco. De acordo com a Arquidiocese de Natal, em outubro do ano passado, o Núncio Apostólico no Brasil, Dom Giovanni D’ Aniello, esteve na região e conheceu os locais dos martírios, e pode presenciar a devoção aos beatos.

Os mártires foram vítimas de dois assassinatos em massa cometidos em 1645, durante as invasões holandesas. O primeiro massacre aconteceu no dia 16 de julho daquele ano, durante uma missa dominical numa capela no Engenho de Cunhaú, no atual município de Canguaretama. Segundo relatos históricos, após o padre André de Soveral dar início à cerimônia, Jacob Rabbi, um alemão a serviço da Companhia das Índias Ocidentais Holandesas, trancou as portas da igreja e, com uma tropa de índios Tapuias e soldados, ordenou a matança de todos os fiéis.

O segundo massacre aconteceu três meses depois, no dia 3 de outubro, em Uruaçu, hoje parte do município de São Gonçalo do Amarante. Com as notícias sobre o ocorrido em Cunhaú, alguns católicos buscaram refúgio numa fortificação construída no pequeno povoado de Potengi, mas foram atacados pelas tropas de Rabbi. Eles resistiram, mas acabaram se rendendo e foram massacrados às margens do rio Uruaçu. Entre os mortos estavam o padre Ambrósio Francisco Ferro e o camponês Mateus Moreira.

De acordo com os relatos históricos, os invasores holandeses ofereceram aos fiéis católicos a opção de conversão ao calvinismo, mas eles escolheram o martírio. Foram dezenas de mortos nos dois episódios, mas apenas 30 tiveram o processo de beatificação aberto em maio de 1988. No dia 5 de março de 2000, na Praça de São Pedro, no Vaticano, o então Papa João Paulo II beatificou os 28 leigos e dois sacerdotes.

— Naquele imenso país, não foram poucas as dificuldade de implantação do Evangelho — disse o Pontífice, na ocasião. — André de Soveral, Ambrósio Francisco Ferro e 28 companheiros leigos pertencem a esta geração de mártires que regou o solo pátrio, tornando-o fértil para a geração de novos cristãos. Um deles, Mateus Moreira, estando ainda vivo, teve arrancado o coração pelas costas, mas ele ainda teve forças para proclamar a sua fé na Eucaristia dizendo: Louvado seja o Santíssimo Sacramento.

Mártires: Santos mesmo sem comprovação de milagre

Normalmente, o processo de canonização é demorado, composto por quatro etapas. Primeiro, o postulante se torna um “Servo de Deus”, com a abertura do procedimento. Se ele apresentar as virtudes necessárias, é proclamado “Venerável”, sem dias festivos ou igrejas em sua homenagem, mas pode ter rezas e materiais impressos em seu nome. Caso se prove um milagre por sua graça, o postulante pode ser “beatificado”, e ser adorado pela diocese local. A “canonização” acontece com a comprovação de um segundo milagre. Ao se tornar santo, o postulante é inserido no calendário universal da igreja e pode ser adorado em todo o mundo.

Mas os mártires tiveram esse caminho abreviado, por um decreto papal conhecido como canonização equipolente. Por esse instrumento, o Papa pode elevar um postulante ao status de santo sem a necessidade de comprovação de milagres, desde que três requisitos sejam cumpridos: a prova da antiguidade e constância do culto ao candidato a santo, o atestado histórico de sua fé católica e de suas virtudes, e a fama de milagres intermediados pelo candidato.

A praxe da equipolência goza do mesmo atributo de infalibilidade das canonizações ordinárias, nas quais são exigidos milagres. O Papa Francisco empregou recentemente este procedimento elevando aos altares, por decreto, Angela Foligno, Pedro Fabro e José de Anchieta.

Num passado mais remoto, no século XVIII, Prospero Lambertini, o Papa Bento XIV, usou da canonização equipolente para propor  à veneração dos fiéis os santos Romualdo, Norberto, Bruno, entre outros.

O Papa Francisco, muito sensível a causas de martírio, determinou que iria canonizar os mártires mais antigos (antiguidade do martírio), dispensando o milagre. Em casos de martírio, após a comprovação histórica, pode-se dispensar o milagre. O Papa tem essa prerrogativa.

A Igreja não exige comprovação de milagres para a canonização, mas ao menos 5.000 cartas foram enviadas à arquidiocese atribuindo a eles “graças alcançadas”.

Atualmente, os mártires de Cunhaú e Uruaçu são celebrados em duas datas: 16 de julho, numa cerimônia na capela da Nossa Senhora das Candeias, onde o massacre de Cunhaú aconteceu; e no dia 3 de outubro em Uruaçu, onde os mártires foram mortos pelos índios e soldados holandeses.